Livraria Cultura

domingo, 2 de janeiro de 2011

UM ADEUS SEMPRE NOS ESPERA / ÂNGELA MARIA


                                                                                     
    Eu gostaria de ser "in" sempre no que diz respeito aos acontecimentos da minha vida podendo falar e transmitir às pessoas um sentimento que não pode ser explicado.
    Começar pelo último acontecimento é estranho! meu pai faleceu no último dia 14 de dezembro. Sou a última de 6 filhos e fiquei com ele após a morte da minha mãe.
    O período que fiquei com meu pai todo dia me fazia lembrar do livro e filme "A Última Grande Lição". Agora, depois que passou, eu estou me sentindo como se tivesse andado muito a pé para não chegar a lugar nenhum, porque não existe preparação para a morte. Não para a morte de um homem como o meu pai.
    Convivendo com ele, eu não pude, por mais que eu tentasse, entender ou saber explicar sua personalidade forte, estruturada para conduzir, dirigir, falar, observar e repreender.
     Quando ele veio morar comigo eu imaginava sempre o que iria causar a sua morte para eu poder me preparar. E ele se foi do que eu sabia que o levaria, mas não consegui me preparar.
     O espaço que ele ocupou na minha casa, sua rede no varal, seus lenços, seus pijamas, a cadeira que ele sentava na sala, no lugar que ele determinava para observar o andamento na cozinha e saber se seu almoço sairia na hora certa, a cadeira na mesa... Tudo isto está na minha mente se misturando com seus últimos dias tão doídos. E isso também me faz lembrar da música de Bittencourt: "Eu não sabia que doía tanto uma mesa num canto de uma casa e um jardim. Se eu soubesse quanto dói a vida, esta dor tão doída não doía assim."
   O jardim! Olho da janela e posso vê-lo sentado num banco ou empurrando sua cadeira de rodas. Ele lutou até onde pôde, até mesmo sendo ríspido para poder suportar o seu declínio humano. Mas no hospital quando ele pediu para voltar para casa, ele já estava totalmente entregue à sua condição. Ele precisava de duas coisas importantes: oxigênio e dormir. Ele não dormia. Não conseguia nem à base de medicamentos.
   Aos 92 anos, ali na cama do hospital, vi meu pai tão resignado, que eu tive a certeza que dali ele não sairia mais.
   Eu enalteço neste momento minha família, meus irmãos, meus queridos pais. Não desmerecendo outras famílias. Longe de mim, pois quem puder, como eu, enalteça também a sua. Porque antes dos meus falecerem, eles deixaram de olhar para eles para olhar os filhos. Nossa família tem uma história digna de ajuda mútua, de carinho e de perdão. Quando aceitei ficar com o meu pai, foi a oportunidade que Deus me deu de eu mostrar toda a minha gratidão  e todo meu amor a ele, a meu irmão e a minhas irmãs, porque eu nunca tive nada de mim mesma, nunca trabalhei fora e nunca me faltou nada. Mesmo depois de eu casada, eles sempre me ajudaram quando se fez necessário.
   Meu pai amou mais o meu marido e meus filhos do que a mim, ao menos era o que demonstrava. Mas qualquer sentelha de sentimento que ele nutrisse por mim, isso foi esplendorosamente compensado pelo amor que mamãe me dedicou.
   Eu não fui ao enterro do meu pai. Estava muito cansada, mas minha irmã relatou como foi e minha alegria foi porque apareceu pessoas declarando coisas lindas que pai havia feito por elas. Inclusive um rapaz que tinha se afastado da marginalidade estava lá e fez a declaração que foi com a ajuda da minha mãe que ele tinha se tornado o homem que se tornou.
  Meu pai estava lindo! Parecia dormir o sono que ele tanto esperava. Camisa branca de mangas compridas, gravata cinza. Naquele momento, com meu filho ao meu lado, agradeci por ele ter sido meu pai, por ter me levado à escola, por me encontrar na saída em dias de chuva com a sombrinha para que eu não me molhasse, por ter desembaraçado meus cabelos (porque mamãe dizia que ele estava "senatdo" e tinha tempo), por ter feito uma musiquinha para mim quando passeávamos nos eucaliptos:

  "O pau rolou, caiu
  No meio da mata
  Ninguém viu
  Foi uma menina que passeava por ali
  Começou logo a chorar
 Quando viu o pau cair... "

  Naquele momento passou tanta coisa na minha mente. Coloquei duas rosas brancas no seu bolso para nos representar no funeral porque eu não tinha condição de estar lá. Estou sofrendo, mas dem culpa,  e tendo a certeza que o que pedi a Jeová e estava sempre no meu íntimo, aconteceu, Ele dormiu e faleceu. Não posso negar que mesmo sem culpa, existe um desconforto no meu íntimo porque a sua lucidez o acompanhou até o fim. Por quê?
   Nos últimos dias do meu pai, não quando estava tão perto do fim, eu tive a oportunidade que nenhum filho teve, que foi de ter uma certa intimidade com ele, de falar coisas e ele ouvia e calava. Mentimos para ele porque foi difícil dizer para ele que iríamos levá-lo ao hospital. Dissemos logo pela manhã que iríamos levá-lo para fazer um exame. Ele já não andava, não estava comendo e mal falava. Tudo isso, agora neste momento, me dá a certeza que infeliz daquele que pensa que pode dirigir a vida sem Deus.



Na vida, percebi que os homens bons, têm muitas coisas parecidas com os animais, no que se refere a natureza e ao instinto. Homens e mulheres têm dado conta de suas responsabilidades e quando se vão deixam a lição e fica a saudade.


                                                                                            clara3amores






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