Quando ouvi essa frase pela primeira vez eu era tão criança! Geraldo Vandré com suas letras fortes, hoje eu vejo que ele formava opinião. Hoje eu também sei que ele era perseguido pela ditadura por falar dos problemas sociais. Hoje eu cresci e entendo que temos liberdade, vivemos num país complicado, jovem, porém sofre de uma doença rara, velhice precoce, com todos os sintomas que a velhice acomete. Muita beleza ainda oferece, mesmo sendo sulgado, “vaca de divinas tetas”, ainda atrai por sua beleza e sua gente... ... de todos os tipos.
Penso às vezes sobre mim que eu nasci para observar. Gosto muito de observar, mas às vezes eu sinto dificuldade de abordar porque não tenho certeza se serei aprovada por minha família, porque realmente são coisas de família, mas que ficou em mim, assim como outras coisas que me fazem ver que meus pais, quando jovens, eram tão fortes e corajosos.
Havia um movimento na igreja Católica chamado Encontro de Irmãos, no fim dos anos 60 para os anos 70. Meu pai era responsável pelo o que se reunia lá em casa. Jovens, senhoras, homens, se reuniam para falar da Bíblia, problemas da comunidade, filantropia, etc. Mas o regime militar tinha medo do comunismo e perseguia D. Hélder, Padre Reginaldo, que eram amigos de papai. Papai não se envolvia em política mas admirava esses homens que eram corajosos em expor os problemas sociais. E assim muitos jovens desapareceram até hoje das universidades, dos caminhos de volta pra casa. Alguns eram encontrados, os corpos jogados nas matas, torturados, sofridos, como se alguém quisesse saber de algo que eles também não sabiam. Muitos casos ficaram tempos em edição jornalísticas, como no caso do Padre Henrique, em que seu corpo foi encontrado em estado deplorável no matagal da Cidade Universitária. Eu acredito que uma criança pode sofrer com coisas que um adulto jamais poderá presumir, porque quando eu vi a foto do Padre Henrique morto por dias, com uma corda no pescoço, totalmente transfigurado, eu passei dias e dias angustiada, triste, melancólica, com medo, sem suportar ouvir uma música que cantava na igreja que dizia assim: “Prova de amor não há do que doar a vida pelo irmão”. Parecia que o luto não ia passar.
Nessa mesma época, não tenho como avaliar na linha do tempo, que em uma dessas reuniões que havia lá em casa, apareceram uns rapazes que eram amigos da minha irmã mais velha, educados, bem-apessoados, inteligentes, e frequentaram um bom tempo essas reuniões, depois deixaram, e só um continuou frequentando o “Encontro de Irmãos”. Até hoje eu penso e lembro dele. Ele se hospedou lá em casa por um tempo, ninguém sabia nem veio a saber. Eu creio, e cresci pensando, que papai, assim como o preservou em hospedá-lo, ele faria isso com qualquer ser humano bom que precisasse. Não sei. É isso que penso até hoje. Eu só o conheci pelo nome de “Mago”, esse era seu codinome. Só papai, eu acho,sabia o nome dele e outras coisas talvez. Mago era gente fina! Sempre penso nele como um homem idealista, corajoso, sonhador, acreditava que podia mudar o sistema. Geraldo Vandré em “Caminhando e Cantando” acreditava nisso também. Tantos idealistas, meu Deus, acreditavam nesses sonhos e a resposta está aí. No presente, políticos que já foram tidos como subversivos, socialistas, hoje no poder, e veio a haver tantos escândalos, mensalão. Jesuíno hoje homem desmoralizadoque traia os “Tiradentes” dos idealistas, e nada mudou na sociedade. Melhorou um pouco a liberdade de expressão.
“Tudo isso acontecendo e eu aqui na praça dando milho aos pombos”. Essa música marcou um momento da história do país e Mago marcou um momento da história da minha família. Delineou o perfil do meu pai como homem de sangue e coração bom, e minha mãe não precisava estar pedindo a ninguémdireção para uma situação porque toda família tinha consciência das circunstâncias que vivia e se arriscava. E hoje as minhas lembranças de infância só me assegura que meu lar era seguro e abençoado por Deus.
Dedico esses meus pensamentos a todos os jovens estudantes e inteligentes que não se alienaram como hippies, mas que sem ópio, sexo louco, Rock’nRoll, não olharam para si mesmos mas tiveram coragem de lutar por uma sociedade já fadada ao fracasso.
Hoje quando eu olho para mim mesma eu sinto um sentimento estranho que eu não sei o nome. E não consigo ainda entender porque o gatilho da depressão disparou quando eu era ainda tão jovem. Um bom amigo me disse que as pessoas que se deprimem veem os acontecimentos com lente de aumento. Mas quando passa eu consigo ver as bênçãos e alegria por ter meus irmãos, meus pais, meu marido, meu filhos e tudo o que tenho.
Mago ficou em minha lembrança de um tempo, um tempo diferente do que eu vivo hoje. Adulta, percebo, como escrevo várias vezes, agora inspirada em Chico Buarque: “Eu bem que mostrei a ela, o tempo passou pela janela e só Carolina não viu”. Eu bem lhe mostrei sorrindo pela janela, ói que lindo, e só Clarinha não viu.
clara3amores
clara3amores
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