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segunda-feira, 26 de março de 2012

A BONECA PELOS PATINHOS / TOQUINHO - O CADERNO

                                                                                       
              Quando nós somos crianças gostamos muito de brincar de “faz de conta”. Fazemos de conta que a boneca é nossa filhinha, que a cadeira de balanço de nossos pais é o nosso carro, que o guarda-roupas é um esconderijo ou um elevador, e em tudo do mundo dos adultos nós podemos trazer até nós com a criatividade de uma criança. Mas na proporção que crescemos como adultos (não como gente ou pessoa) as coisas, é claro, vão tomando outras formas  e outras dimensões.
               À medida que vamos tomando consciência das coisas, colocamos a boneca de lado e começamos a exercitar o conselho mais ouvido: “tenha consciência”. A partir daí tudo vai tomando outra forma. Pensamos que podemos ser felizes assim como éramos quando brincávamos com a boneca. E às vezes até somos, porque como adultos, não raro estamos raciocinando algo hipotecamente.
                     Quando eu cresci, logo aprendi a ter consciência, a formas minhas próprias opiniões e fiquei como Carolina (de Chico Buarque) vendo o tempo passar pela janela e ainda me surpreendendo que diferente da minha boneca (Lolita, era esse seu nome) as pessoas se revelam cedo ou mais tarde de uma forma que sou obrigada a “perguntar a não sei quem”, e você é assim? Por que você não me fez pensar diferente? Isso é camuflagem, sabia? Atualmente num dito popular que gira por aí, você me apareceu e deixou mostrar como numa “fina estampa”! E pode acontecer o contrário se não formos policiados por nós mesmos, podemos, sim, nos travestirmos de uma “fina estampa”.
                 É uma hipótese: pense em alguém que você jamais imaginaria que pudesse lhe dar um bofete e de repente você leva um bofete (nem sempre um bofete é com as mãos. Com palavras também vale.) E aí? Pois é. Mas a verdade, na minha opinião, muitas pessoas têm deixado a oportunidade do aprendizado da vida, que às vezes nos fala de maneira tão simples e não oculta nada. Os atos maus resultarão em coisas ruins. Atos irrefletidos também cobrarão sua conta e a fatura pode ser alta. Os atos bons, choros escondidos, ausente de culpa, mas de decepção mesmo, mais tarde quando a dor passar, poderá usufruir de uma tranquilidade inesperada. Que bom!
            Da boneca do passado não podemos sentir tanta saudade assim porque ela foi um trampolim daquilo que fomos, daquilo que somos
                   De todas as lembranças que tenho da minha linda boneca, a mais importante foi como eu a adquiri. De como ela chegou a mim.
                  Eu ganhei dois patinhos de uma amiga da minha mãe, Dona Beliza. Um era todo pretinho e o outro mais cinza do que preto. Eu me apeguei tanto a esses patinhos que eu não gostava nem de imaginar em perde-los. Eles estavam crescendo! Andavam muito bonitinhos! Mamãe estava ficando nervosa porque eles não estavam querendo ficar no quintal e queriam entrar na cozinha o tempo todo. Um dia ela me disse:
                    - “Clarinha, se você quiser eu vendo seus patinhos e compro uma boneca para você.”
                  Ninguém sabe, mas sofri muito ao responder pra mamãe. Só vinha em minha mente que os patinhos poderiam sofrer, sentir fome, frio, sede e ainda sentir saudade de mim. Somente uma pessoa de uma índole muito crédula achava que aqueles patinhos em algum momento iam pensar em mim em algum momento; sentir saudade. Mas que bom, no momento! Hoje eu não penso assim nem com as pessoas. Nunca, jamais, nem que nós nos arrebentemos, devemos transferir nossas emoções para outra pessoa, tampouco acreditar nisso. A profundidade de sentimento para com os patinhos era só minha! Olha minha primeira lição de relacionamento que só decifro hoje!
                    Quando eu sinto um medo muito grande, fico muda. Fiquei confusa, e já sentindo a dor da perda.
                   Mamãe compensou tão bem aquele meu sofrimento que o dia em que fomos à cidade escolher a boneca, eu já não pensava tanto nos patinhos. Quando entramos na Viana Leal, uma das lojas mais chiques do Recife, na sessão de bonecas eu fiquei calada, caladinha, porque  eu estava longe de imaginar a variedade de lindas bonecas. Todas da Estrela. Qualquer uma para mim estava mais do que justa pela troca dos patinhos. Meu Deus! Só as caixas das bonecas eram lindas! Lolita, a que eu escolhi, tinha o nome na caixa. Os olhos dela pareciam de gente, bem azuis, a roupa dela era cor-de-rosa, os cabelos bem lisinhos, como os de chapinha atual, bem loirinhos. Em sua mão uma bolsinha bem charmosa com bob’s, pentinho, escovinha e um cartãozinho garantindo que min há boneca era certificada da Estrela.
                    Mas o que eu não pensei antes como criança, fico lembrando agora. O dinheiro da venda dos dois patinhos não deu para comprar minha boneca e mamãe pediu emprestado a outra amiga dela para completar o preço. Eu lembro vagamente de eu subindo uma calçada de uma ladeira com o dinheiro na mão para dar a essa senhora.
                      Foi com essa boneca que mamãe me deu, que eu brinquei e que hoje me fez vir essas lembranças maravilhosas, e que como uma menina que não era rica, meus pensamentos me trazem momentos tão afortunados!
                      Amo você, mamãe. Obrigada.


                                                                           

                                                                                                         Clara3amores

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