Livraria Cultura

quarta-feira, 7 de março de 2012

FOLHAS E FOLHAS... / ELIS REGINA

                                                                       
            Um dia, meu amor, lembra-te quando estivemos aqui pela primeira vez?
            Tivemos o mesmo sonho.
            Lembra-te, meu amor?
            Como as folhas eram verdinhas?
            Tantas pelo chão.
            Lembra-te, meu amor?
            Como elas se tornaram preciosas para mim e para ti.
            Apenas folhas, folhas, folhas verdes em seus lugarezinhos tão bem colocadinhas ornamentando as árvores tornando-as frondosas. Jaqueiras, mangueiras, sapotis, fruta-pão, o pé de ingá junto da cerca, lembra-te, meu amor?
            Os ventos sacudiam a folhas para lá e para cá, fazendo as folhas maduras caíram ao chão, lembra-te, meu amor?
            Havia um pé de araçá que coalhava o chão de tantas frutinhas, lembra-te, meu amor?
            Lembra-te também que dizemos “sim” prontamente, mas os nossos corações já haviam respondido por nós dois?
            Ah! O tempo e tantas folhas passaram-se. Fizemos nossa casa, nossos filhos cresceram, meu amor.
            Estamos aqui e agora. Sinto que às vezes estamos no começo, eu e ti, no canto que escolhemos viver, meu amor.
            Acho-te mais bonito agora do que quando nos conhecemos. O amor velou, entre tantos e quantos, nossas vidas, como as folhas... as folhas de nossas árvores e as frutas que continuam tão doces, meu amor.
             As entressafras das nossas vidas, igualmente como as das árvores tem se sustentado em suas raízes e tu tens se tornado para mim, o imprescindível, meu amor.
              Porque esse é o meu querer, meu desejo, minha noção.
              Saber, meu amor? Assim como as folhas se renovam em suas estações, e o meu amor tem se renovado por ti. Entendi de uma vez por todas que isto é o meu valer a pena!
              Quero lembrar-te também que nosso amor nos impeliu a plantar nossas acácias, flamboyant, ciprestes, pinheiros e os ipês que nós dois plantamos, como se com essa intenção fosse nos perpetuar nossos sentimentos na nossa atmosfera e nas folhas, meu amor. As folhas, folhas que às vezes inquietas que testemunharam estes 16 anos, dos 31, que já vivemos, momentos de uma vida, da nossa vida, meu amor. Saídas e chegadas para o trabalho, para passeio, buscar e levar filhos, cães ao veterinário, receber e levar visitas, tertúlias embaixo da jaqueira aos sábados, namoro dos nossos filhos, alguns discretos abraços nossos, meu amor, beijos no portão em tuas viagens. “Cuidado. Vai com Deus, meu amor”. Meu querido pai sem a presença da minha mãe embaixo das sombras das árvores. Tudo isso, meu amor, folhas, folhas, folhas, não sei quantas folhas, meu amor, testemunharam tudo isso.
            E tu? Lembra-te, meu amor?   
                                                               
                                                               


                                                                          CLARA3AMORES

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